PIEMONTE FM

quinta-feira, 3 de abril de 2014

‘Como carregar o filho de um monstro?’, diz mulher estuprada

estuproComo eu poderia carregar o filho de um monstro?”. Maria*, 36 anos, foi estuprada por dois homens quando voltava do trabalho, por volta das 23h, já próximo à sua casa. Ela engravidou durante o ato de violência, o que intensificou o trauma. Em meio ao turbilhão de sentimentos ruins que vivenciou por ter sido obrigada a fazer sexo com desconhecidos, não houve espaço para amor ou instinto maternal: “eu não aceitei”, disse, em entrevista ao Terra, horas depois de interromper a gravidez no Hospital Pérola Byington, em São Paulo. O sentimento de violação de direitos impede a criação de um vínculo entre mãe e bebê: “vítimas chegam e falam: ‘quero que tire esse monstro de dentro de mim, estou com o demônio na minha barriga’”, contou o ginecologista Cristião Fernando Rosas,  presidente da Comissão de Violência Sexual da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRAGO).
O aborto em casos de estupro é legal e oferecido pelo Sistema Único de Saúde, já que, segundo o coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, Jefferson Drezzet,“a gravidez é uma segunda violência para a mulher”, segundo Jefferson Drezzet, coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington. No entanto, nem sempre as vítimas procuram ajuda médica. Na estimativa informada por Drezzet, apenas 20% dos casos chegam ao conhecimento de alguém do setor da saúde ou segurança. Na trama da novela Em Família, a personagem Neidinha (Jéssica Barbosa) foi violentada por três homens no Rio de Janeiro e engravidou de Alice (Érika Janusa). Ela decidiu prosseguir com a gravidez e criar a filha com amor. No entanto, fora da ficção, ignorar a violência e o sofrimento não é uma decisão tão simplista.
Quando a mulher grávida vítima de estupro procura atendimento médico, ela tem três opções: manter a gestação, interrompê-la ou doar o bebê. “Mesmo que convencidas a manter a criança, existe muita dificuldade para superar o trauma. Já tivemos três casos de infanticídio”, afirmou Drezzet. Uma pesquisa feita pelo hospital Pérola Byington apontou a violação de direitos humanos como o principal motivo para o aborto. A religião não costuma interferir na decisão da maioria. Segundo Drezzet, 90% das mulheres que interrompem a gravidez se dizem religiosas. “E nenhuma se arrepende”, afirma.
“Não suportaria olhar para o meu filho e lembrar tudo. Seria muito ruim para a criança se eu não conseguisse gostar dela”, disse Sabrina, 22 anos, que optou por interromper a gravidez causada pela violência sexual que sofreu no caminho entre o trabalho e a casa onde mora. Na ficção de Manoel Carlos, a mãe de Alice reúne esforços para esconder que a filha foi fruto de um estupro. Nesse ponto, a vida imita a arte. A pesquisa de Drezzet também revelou o temor das vítimas de que a criança venha a saber como foi concebida e os danos emocionais e psiquiátricos que poderiam sofrer por conta disso.
Aborto e o sentimento de culpa
Quando acontece em circunstâncias violentas, é normal a mulher ficar em dúvida entre ter ou não o bebê. *Clarice fez a primeira opção. “Busquei com todas as minhas forças amar a criança. Foi uma luta interna”. Ela foi violentada pelo marido em 1993, engravidou e passou anos calada sobre o assunto. O casal frequentava uma igreja que desaprovava qualquer acusação em relação ao marido. Além da religião, também pesou em sua decisão o medo de se sentir culpada pelo resto da vida. Temor infundado, segundo Drezzet. “Nossa experiência mostra que as mulheres conseguem superar o trauma causado pelo aborto nos primeiros seis meses após o procedimento”.
A religião em si não mostra tanta interferência na decisão, de acordo com Drezzet. “Oitenta por cento das mulheres que interrompemos a gravidez são católicas e evangélicas. Noventa por cento delas têm religião e apenas 10% são agnósticas”, informou o ginecologista e obstetra sobre dados recolhidos no Pérola Byington. “Mas nenhuma se arrependeu por abortar”, acrescentou. É importante avaliar que os números são com base nas mulheres que buscam ajuda médica e que, geralmente, são motivadas pela gravidez indesejada.
Religiosa, Clarice foi violentada pelo marido em 1993, engravidou e passou anos calada sobre o assunto. O casal frequentava uma igreja que desaprovava qualquer acusação em relação ao esposo. Ela decidiu não interromper a gravidez, não apenas pela religião, mas pela culpa que um aborto poderia trazer: “busquei com todas as minhas forças amar a criança. Foi uma luta interna para que o amor prevalecesse”, disse. Drezzet falou sobre a “síndrome do aborto”, um trauma específico e duradouro na mulher, mesmo que decidida, que interrompe uma gravidez. “Não é verdade, nem é reconhecido pela Sociedade Americana de Psiquiatria. É uma especulação para assustar as pessoas, pois nossa experiência mostra que as mulheres conseguem elaborar a situação, geralmente, nos primeiros seis meses após o procedimento”, argumentou.
Após sofrer violência sexual, a maioria das mulheres, de acordo com os especialistas entrevistados, não procura um hospital ou delegacia especializada. Quando não enfrentam o problema sozinhas, elas preferem que o confidente seja um amigo, parceiro ou membro da família. Sabrina passou dias trancada em casa chorando, até uma amiga preocupada procurá-la. “Medo, angústia, vergonha, perturbações e negação”, estão entre as razões, de acordo com Rosas.
Os hospitais com atendimento a vítimas oferecem coquetel profilático para evitar o desenvolvimento de doenças sexualmente transmissíveis, vacina contra hepatite e coquetel anti HIV. “Por isso é importante procurar um médico logo após o crime, nas primeiras 72 horas”, aconselhou Rosas.
Até mesmo para a gravidez, os centros de atendimento oferecem a conhecida “pílula do dia seguinte”. Nas primeiras 24 horas, informou Rosas, a eficácia do medicamento é de 95%, 48 horas após o coito é de 80% e até o quinto dia será de 30%. O aborto legal realizado em casos de estupro é um procedimento com baixo índice de complicações e que exige cerca de um dia de internação. No entanto, quando mais idade gestacional, mais riscos existem. O prazo máximo é de 20 semanas ou quando o feto atinge 500g. O ginecologista ressaltou a importância de também fazer a denúncia de violência sexual em uma delegacia.
Trauma, paranoia e vida sexual
Uma pesquisa recente divulgada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) apontou que a maioria dos brasileiros acha que “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Segundo o levantamento, 65,1% das pessoas – incluindo homens e mulheres – concordaram com essa informação, enquanto 58,5% apoiaram a ideia de que “Se mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.  A reação diante dos resultados incentivou a campanha online chamada “Eu não mereço ser estuprada”, que ganhou força na rede social.
Ainda assim, a maioria das mulheres que sofre violência sexual não procura ajuda. E quando elas vão em busca de socorro, preferem que o confidente seja um amigo, parceiro ou alguém da família. “Angústia, vergonha e negação são os principais motivos da reclusão”, diz Rosas. É importante lutar contra esses medos. Os hospitais com atendimento a vítimas oferecem coquetel profilático para evitar o desenvolvimento de doenças sexualmente transmissíveis, vacina contra hepatite e coquetel anti HIV. “Por isso é fundamental procurar um médico nas primeiras 72 horas após o crime, além de fazer a denúncia de violência sexual em uma delegacia”, aconselha Rosas.
Os centros de atendimento oferecem também o contraceptivo conhecido como “pílula do dia seguinte” nas primeiras 24 horas após o estupro. Nesse período, a eficácia do medicamento é de 95%. Após 48 horas cai para 80% e até o quinto dia chega em 30%. O aborto legal realizado em casos de violência sexual é um procedimento com baixo índice de complicações e exige cerca de um dia de internação. No entanto, quanto mais avançada estiver a gravidez, maiores os riscos. O prazo máximo são 20 semanas ou quando o feto atinge 500g.
Além do tratamento clínico, as mulheres violentadas precisam de apoio psicológico e familiar. A ausência desses cuidados pode piorar os sintomas do trauma, que já incluem perda da qualidade do sono, pesadelos, alterações no apetite, depressão e isolamento social.
TERRA

Nenhum comentário:

Postar um comentário