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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pesquisador alerta para colapso no abastecimento de água na Paraíba

'Água será pouca ou muito contaminada no futuro', diz professor da UFPB.

Segundo a Cagepa, obras estão sendo realizadas para ampliar a oferta.

André ResendeDo G1 PB
Rio Gramame integra a bacia, de mesmo nome, que é responsável pela maior parte da água que abastece a Grande João Pessoa (Foto: Sérgio Santos/Arquivo Pessoal)Rio Gramame integra a bacia, de mesmo nome, que é responsável pela maior parte da água que abastece a Grande João Pessoa (Foto: Sérgio Santos/Arquivo Pessoal)
“Estamos caminhando para um colapso. A tendência é que a água no estado seja pouca ou muito contaminada no futuro”, diz Tarcísio Alves Cordeiro, doutor em Biologia pela universidade alemã Biologische Anstalt Helgoland e Universidade Federal do Paraná, e professor de sistemática e ecologia da UFPB. O professor é enfático ao avaliar a gestão das águas na Paraíba: “é preciso que a gestão das águas da Paraíba seja revista, ou teremos que importar água para abastecer o estado”, completou.
O professor é autor do livro “O que você precisa saber sobre a água de João Pessoa”, publicado em 2014, que detalha a origem da água que abastece a Região Metropolitana da capital paraibana. Com base nos estudos compilados para esmiuçar o abastecimento pessoense, Tarcísio Cordeiro constata que as duas grandes reservas da Região Metropolitana de João Pessoa, a bacia do Gramame e o reservatório de Marés, estão contaminadas, decorrentes da falta de fiscalização e de planejamento por parte do poder público.
De acordo com a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) uma série de obras que estão sendo executadas vão ampliar e melhorar a oferta de água para a Grande João Pessoa para os próximos 20 anos. Segundo a companhia, já foi concluída a primeira etapa da obra de ampliação da adutora Translitorânea, que aumentou a produção de água em 550 litros por segundo e a segunda etapa, que está em andamento, vai aumentar em mais 500 litros. A obra da adutora Translitorânea consiste na captação de água de três pequenas barragens nos rios Cupissura, Taperubus/Papocas e Abiaí, todas no Litoral Sul da Paraíba, e envio da água para a estação de tratamento do Gramame, concluída na primeira etapa. 
Atualmente, o abastecimento das casas de mais de um milhão de pessoas na região é feito a partir da bacia do Gramame, correspondendo a mais de 50% do total de água destinado para a área. O problema, segundo Tarcísio Cordeiro, é que as águas do Gramame que são utilizadas para o abastecimento estão poluídas com agrotóxicos, que escoam das plantações de cana-de-açúcar que margeiam os rios Gramame e Mubambaba; e águas de Marés, que também abastecem a região metropolitana da capital, estão comprometidas por conta do despejo de esgotos e lixos urbanos.
“Esse manancial [bacia do Gramame] pode, por curtos períodos, ser a única fonte de água tratada da região, como aconteceu durante o alagamento da Estação de Tratamento de Água Marés. A represa de Marés pode abastecer menos de 40% da população atual e ainda há o fato das águas de Marés estarem comprometidas, principalmente com esgoto e lixos urbanos”, destaca Tarcísio Cordeiro em seu livro.
Bacia do Gramame está contida na área de sete município da Região Metropolitana de João Pessoa (Foto: Reprodução/O que você precisa saber sobre a água de João Pessoa)Bacia do Gramame está contida na área de sete município da Região Metropolitana de João Pessoa (Foto: Reprodução/O que você precisa saber sobre a água de João Pessoa)
Apesar das constatações do professor, a Cagepa assegura que em situações extremas de eventuais estiagens prolongadas na região da Grande João Pessoa, existe a opção de perfuração de novos poços artesianos e diz ainda que a garantia do total fornecimento de água para a Grande João Pessoa está diretamente condicionada à ocorrência de chuvas regulares na região litorânea.
Com base em uma pesquisa feita sobre o sistema de Marés, Tarcísio Cordeiro constata que a urbanização não tem respeitado a legislação ambiental e menos ainda o bom senso na gestão da água potável. “O risco de perdermos Marés é real e isso só vai mudar se a tendência de urbanização for prontamente revertida. Infelizmente não se vê, na área da gestão pública, qualquer intenção em limitar e muito menos reverter as agressões ambientais presentes no sistema Marés”, criticou o pesquisador, que completa afirmando que boa parte da água tratada na estação de Marés é bombeada da bacia do Gramame.
Por conta do uso sistemático das águas do Gramame, a bacia está no seu limite de retirada de água para uso humano, conforme um levantamento publicado no livro. Em 2014, de toda água utilizada da bacia do Gramame, 63% da demanda era para o abastecimento urbano, 36% era destinado para a irrigação e 1% para reabastecimento na própria bacia. De acordo com Tarcísio Cordeiro, após a captação da Companhia de Gestão de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa), sobra pouca água para alimentar o rio, provavelmente menos de 5% nas estiagens.
“Isso vem agravando a condição ambiental rio abaixo, porque a pequena vazão não promove a diluição da poluição e renovação da água de forma consistente nos cursos médio e baixo do rio”, completou. Segundo dados da pesquisa “O uso de agrotóxicos nas áreas irrigadas da bacia do rio Gramame no estado da Paraíba”, de Carmem Lúcia Moreira Gadelha, até 2000, ano em que a pesquisa foi feita, tinham sido identificados 72 pesticidas diferentes nas águas da bacia em questão.
De acordo com a gerência de Controle de Qualidade da Água, a Cagepa monitora os 25 parâmetros de agrotóxicos exigidos na Portaria 2914/2011, nos 115 mananciais operados pela empresa, e, segundo a companhia, os valores apresentados estão todos dentro dos padrões de potabilidade.
Rio Gramame, que naturalmente tem uma cor mais barrenta, apresentou no domingo um tingimento azul (Foto: Sérgio Santos/Arquivo Pessoal)Rio Gramame poluído com corante azulado
(Foto: Sérgio Santos/Arquivo Pessoal)
Tiro de misericórdia no Gramame
Além do problema com a parcela utilizada para o consumo humano, as águas da bacia do Gramame ainda apresentam problemas de contaminação com metais pesados, provenientes do Distrito Industrial da Grande João Pessoa. De acordo com o professor da UFPB, Tarcísio Alves Cordeiro, o problema dos metais pesados despejados pelas empresas instaladas ao redor da bacia do Gramame não afetam a água que vai para as torneira porque as substâncias são jogadas em uma região que fica abaixo na área onde há o bombeamento para consumo humano.
“A questão da poluição por metais pesados afeta as comunidades ribeirinhas, que dependem diretamente da pesca para subsistência. As plantações despejam agrotóxicos no ponto da bacia em que a água é bombeada para consumo humano e na parte baixa, as indústrias dão o tiro de misericórdia, contaminando a água com metais pesados e outras substâncias que matam a vida que existia nos rios e afluentes da bacia”, completa.
O coordenador da campanha pela proteção do Rio Gramame, Ivanildo Santana, que também integra a ONG Escola Viva Olho do Tempo (Evot), que promove ações de mobilização pela preservação do rio, comenta que a pesca nos Rios Gramame e Mumbaba praticamente acabou após as recorrentes contaminações. Ele explica que os moradores das regiões ribeirinhas, antes dedicas exclusivamente à pesca de peixes, camarões e caranguejos estão precisando procurar emprego justamente nas fábricas suspeitas de poluir a bacia do Gramame.
“Os peixes morreram, sobreviver da pesca se tornou inviável para quase todas as comunidades que habitam o Vale do Gramame, por isso os jovens desses locais estão procurando emprego nas indústrias, as mesmas que são responsáveis por matar a cultura e o trabalho dos seus pais e avós”, comentou. Para lidar com a questão da poluição na parte utilizada para pesca, Ivanildo Santana explicou que foi iniciado em novembro deste ano um fórum pela preservação do rio, que envolve vários órgãos públicos, dentre os quais, o Ministério Público Federal.
“Militamos há 10 anos com o Evot, buscando a preservação do Gramame, denunciando o despejo de poluentes que matam a vida do rio. Ele [o Gramame] era o nosso pai e nossa mãe. É nosso dever continuar lutando pela sua sobrevivência, e pela nossa. A nossa esperança é de que o fórum e os órgãos públicos se compadeçam e tratem a questão com a gravidade que nós entendemos que existe”, arrematou Ivanildo.

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