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domingo, 12 de outubro de 2014

JP: Reabilitação facial gratuita devolve sorriso a quem não conseguia se enxergar no espelho

Instalado no ambulatório do Hospital Universitário Lauro Wanderley, em João Pessoa, disponibiliza equipe multiprofissional para recuperar e reconduzir pacientes ao convívio social

Saúde | Em 12/10/14 às 08h05, atualizado em 12/10/14 às 08h15 | Por Gustavo Medeiros
Gustavo Medeiros
Resultado da reabilitação
Acidentes, doenças ou atos de violência podem deixar marcas físicas e psicológicas definitivas em quem passa por esses tipos de sofrimento, como no caso do garoto Marcelo Felipe, de 12 anos, que perdeu o olho direito após receber uma pedrada ao brincar na rua, em agosto de 2013, no bairro Colinas do Sul, Zona Sul de João Pessoa. “Ele tinha acabado de chegar do colégio. Um menino arremessou uma pedra e acertou em cheio o olho do meu filho, também machucando o nariz”, disse Marcelo Virgínio, gari, pai de Marcelinho, que acrescentou que acredita que não houve maldade por parte da outra criança. “Foi falta de noção”, comentou.

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Marcelinho correu para casa para pedir socorro aos pais, já sem enxergar pelo olho ferido. “Percebi na hora que o caso era muito grave, pois o olho estava afundado e um líquido escorria”, contou o pai. Mesmo com o globo ocular gravemente lesionado, o garoto lavou o ferimento em água corrente, na esperança de que, com a limpeza, a visão retornasse. “Ele repetiu várias vezes: ‘eu vou voltar a ver, pai...vou voltar a ver’, o que não aconteceu ”, afirmou Marcelo Virgínio, bastante comovido. 

Uma vizinha se ofereceu para ajudar e o menino foi levado de carro para o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, onde passou por cirurgia, tendo alta apenas no dia seguinte. “O médico falou que, se a hemorragia não tivesse sido controlada a tempo, a situação poderia ficar mais grave”, falou o pai, aliviado pelo caso não ter sido pior. No entanto, a vida de Marcelinho mudaria para sempre. O órgão estava perdido definitivamente e, com a tecnologia atual, a visão não seria retomada. Ficaria apenas um vazio, além de um sentimento de que nada mais poderia ser feito.

Para casos como este, como também para outros de maior gravidade, um trabalho de referência no estado da Paraíba, com projeções nacionais, utilizando tecnologia de padrão internacional, vem devolvendo o ânimo de viver e elevando a autoestima de pessoas que, por diversos motivos, tiveram suas aparências marcadas por fortes traumas.

Implantado em 2010, no ambulatório do Hospital Universitário Lauro Wanderley, na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, o Serviço de Reabilitação Facial surgiu a partir de um projeto coordenado pela Prof. Cacilda Chaves e sua equipe: Geraldo Holanda, Renata Navarro e Cabiará Uchôa, todos odontólogos. A iniciativa foi aprovada pela REHUF (Reestruturação dos Hospitais Universitários), passando a funcionar gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, já tendo realizado a recuperação de 100 pacientes desde o início de sua existência.

“O serviço oferece reabilitação de partes perdidas da face para pacientes com deformidades, sejam congênitas, decorrentes de síndromes ou fissuras labiopalatinas; como também adquiridas. Estas são geralmente por câncer, acidentes ou outros casos, como violência praticada com armas de fogo ou brancas, mordidas de animais ou humanas”, explicou a Dra. Cacilda.

A reabilitação é feita com próteses, mas só elas não bastam. “Tivemos o trabalho de formar uma equipe multiprofissional para atender às diferentes necessidades dos pacientes, devido à complexidade dos casos”, disse Cacilda Chaves, acrescentando que é preciso que seja feita a recuperação do estado psicológico, assim como nutricional das pessoas afetadas.
Psicólogo cuida da autoestima do paciente
Foto: Psicólogo cuida da autoestima do paciente
Créditos: Divulgação/Cacilda Chaves
Segundo a odontóloga, também professora da disciplina de prótese dentária da Escola Técnica de Saúde da UFPB, alguns pacientes se isolam, não se alimentam direito, até pelas condições físicas nas quais se encontram, que podem dificultar a deglutição.  
“Alguns tipos de câncer ou outras lesões podem causar fendas enormes na face de quem sofre o problema”, disse, destacando que a enfermidade vai muito além da parte meramente estética. 
Atendimento com nutricionista
Foto: Atendimento com nutricionista
Créditos: Divulgação/Cacilda Chaves
Ao saírem da convivência social, segundo Dra. Cacilda, muitos entram em depressão, podendo surgir outras doenças, como obesidade e hipertensão.”Percebo que muitas crianças mutiladas costumam chegar ‘gordinhas’ em nosso atendimento”, contou a dentista.
Para exemplificar o drama de alguém que perde uma parte da face, a professora destacou a história da primeira paciente de prótese de nariz do serviço, vítima de câncer. “Ela não conseguia se olhar no espelho. Quebrou todos da casa dela. Quando a prótese foi implantada, com sucesso, a equipe se juntou e deu um espelho de presente para ela que, muito emocionada, pôde se ver novamente”, relembrou Cacilda, satisfeita com o trabalho vitorioso.
Para um acompanhamento completo dos pacientes, psicólogos, nutricionistas, cirurgiões, oncologistas, oftalmologistas e profissionais da enfermagem formam o grupo responsável por proporcionar uma nova vida a quem é atendido pelo serviço.
Próteses
A reabilitação é feita através de próteses de olho, nariz, orelha e das intra-orais (obturadoras de palato) podendo também, em determinados casos, necessitar do desenvolvimento de prótese de língua. 
O trabalho é artesanal, feito pelos próprios profissionais do Serviço de Reabilitação Facial. Segundo Dra. Cacilda, em prótese ocular, como a que foi elaborada para o garoto Marcelinho, é feita uma comparação com o olho saudável, procurando atingir a maior fidelidade possível à aparência natural. “Fazemos, com pincel, utilizando pigmentos de porcelana, a pintura da íris (parte colorida do olho), acrescentando detalhes como vasos sanguíneos, deixando com aspecto bastante realista”, explicou. 
Comparação com cor original da íris
Foto: Comparação com cor original da íris
Créditos: Divulgação/Cacilda Chaves
Prótese ocular
Foto: Prótese ocular
Créditos: Gustavo Medeiros
Em outros casos, como em próteses de nariz e orelha, é utilizado um silicone especial, com textura semelhante à pele humana. O material é importado dos Estados Unidos, financiado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Profissionais da Saúde). “Conseguimos o financiamento a partir de um projeto de doutorado que desenvolvi na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul”, orgulha-se Cacilda Chaves.
Ela informa que as próteses mais procuradas são as intra-orais (em casos onde ocorre buraco no céu da boca, causado por câncer). A segunda mais solicitada é de nariz e terceira de olho. Os valores de cada uma, caso feitas por meios particulares, ficariam na faixa de R$ 3 a 5 mil, segundo a profissional da odontologia. 
Marcelo Virgínio, pai do garoto com aparência recuperada, trata sobre este assunto. “Minha renda mensal gira em torno de R$ 700. Sou o único da família que trabalha. Dificilmente conseguiria recuperar a felicidade do meu filho com o que ganho como gari”, contou, resumindo a situação financeira com o seguinte bordão: “A gente se vira nos 30 para sobreviver”. Satisfeito com a recuperação do herdeiro, ele completou seu discurso afirmando que “agora ele ficou mais feliz, mais bonito, sem precisar esconder a aparência”.

Marcelinho, que é aluno do 6º ano de uma escola Estadual e se diz bom aluno, preferindo as disciplinas de ciências e história, conta, em tímidas palavras, como sua vida mudou. “Depois que sofri o acidente, ficaram me chamando de pirata, de ‘sem olho’. Isso me deixou muito triste. Agora ninguém pode falar mais nada”, disse, esboçando um sorriso aliviado.

Encaminhamento

A maior parte dos pacientes recebida pelo serviço vem das redes municipais e estaduais de toda a Paraíba, principalmente de instituições como o Hospital Napoleão Laureano, localizado no bairro de Jaguaribe, em João Pessoa, especializado no tratamento do câncer.

Dra. Cacilda explica que os pacientes chegam com o encaminhamento das unidades de saúde e são recebidos pela equipe de enfermagem, que cuida da lesão e orienta sobre procedimentos de limpeza. Depois, são atendidos pelos odontólogos, nutricionistas e psicólogos.

“As pessoas também podem comparecer por iniciativa própria (demanda espontânea), fato que ocorre, geralmente, com pacientes que já sofriam com a perda de parte da face há muito tempo e desconheciam o serviço”, disse ela, revelando que, se o lesionado já estiver em condições, já tem um molde feito no primeiro dia, desenvolvendo o modelo de trabalho, onde será feita a prótese.

Na sessão seguinte, já é feita a primeira prova. Entre cinco e seis visitas ao ambulatório do HU, a pessoa já poderá estar adaptada para sair com a prótese definitiva. O serviço funciona todas as terças-feiras , das 13h às 18h, aberto a todos que dele necessitarem.

“Nesse difícil trabalho, destaco o empenho de nossa equipe. Não seríamos nada se trabalhássemos sozinhos. O maior sentimento que a gente tem é observar que a forma que recebemos os pacientes e os devolvemos à sociedade é completamente transformada. Percebemos isso pelo sorriso dos mesmos e pelo olhar que muda completamente após a reabilitação”, concluiu a Dra. Cacilda Chaves.

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