PIEMONTE FM

domingo, 6 de julho de 2014

Marcas de uma tragédia: cinco anos da Chacina do Rangel


A cicatriz no lado esquerdo do rosto impede que o garoto que chamaremos de X, 12 anos, esqueça o trágico assassinato dos pais e dos três irmãos, com os quais cresceu na casa de número 100 da rua Oswaldo Lemos, no bairro do Rangel, em João Pessoa. O menino de sorriso fácil e olhar tímido é um dos sobreviventes da 'Chacina do Rangel', episódio que dificilmente será esquecido pela sociedade paraibana. O JORNAL DA PARAÍBA conta, nesta reportagem, como está a vida dos dois irmãos que conseguiram escapar da fúria dos vizinhos, cinco anos depois da tragédia.
O menino franzino, que gosta de jogar bola e é torcedor do Flamengo, a princípio se mostrou calado, apenas observando da porta do quarto a equipe de reportagem conversar com a tia, Edna Pascoal, que o acolheu logo que ele recebeu alta do Hospital de Emergência e Trauma, em consequência do golpe de facão no rosto e na nuca. Minutos depois o garoto se aproxima e entra na conversa: “Eu gosto de jogar videogame também”, afirma.
O sobrevivente leva uma vida quase normal e comum aos outros meninos de sua idade. A diferença é que ele traz consigo o trauma de ter perdido os pais e três irmãos aos 7 anos. Na rua, quando perguntam pela cicatriz, ele diz que foi uma queda e logo muda de assunto, conforme revela a tia do menino. “Ele não fala sobre isso, a gente também evita, porque é uma coisa que só vai trazer dor e saudade”, afirma.
A cicatriz no rosto infantil é a marca de uma tragédia difícil de ser esquecida por ele e Priciano, o irmão mais velho que se escondeu debaixo da cama e por isso sobreviveu. Atualmente o menino estuda o 5º ano em uma escola pública da capital e recebeu atendimento psicológico até o ano passado. Agora, a terapia que ele tem é o colo da tia, sua principal companhia desde então. Segundo Edna, o Conselho Tutelar que o acompanhou logo após a tragédia, não faz mais contato. O cartão de passagem que garantia as idas ao psicólogo foi retirado e a última consulta realizada há mais de um ano.
Atualmente os conselheiros não têm conhecimento de onde o menino mora, como vive, ou como está nos estudos, conforme afirmou o conselheiro Rodrigo José, do Conselho Tutelar Região Sudeste.
Os sinais do trauma que ficaram em X começaram a ser percebidos pouco tempo depois da tragédia que vitimou parte da família. Segundo a tia, o menino costumava dizer que queria ser policial para “matar todos os bandidos que se aproximassem”. Nas consultas ao psicólogo, o pensamento conseguiu ser mudado. Agora X diz que quer ser gesseiro, mesma profissão que o pai dele, Moisés, exercia.
O garoto que hoje sorri ao lado da tia é o mesmo que ficou entre a vida e a morte no Hospital de Trauma. É o mesmo menino que abraçou o policial que chegou para atender a ocorrência, dizendo: “Foi ele, foi ele quem matou minha família, ele mora ali”, apontando para a casa dos acusados. Segundo depoimento do policial à Justiça, “pelo corte dava para ver a coluna cervical da criança”. Em estado de choque, X só pedia para a polícia salvar sua família. A inocência do menino não o permitiu entender que a situação era muito mais grave do que o que ele podia imaginar, segundo consta na denúncia do Ministério Público.

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