PIEMONTE FM

domingo, 23 de março de 2014

Batalhão de PMs que arrastaram Claudia Silva soma casos de violência

Tropa é 4ª com maior número de mortes em operações nos últimos 2 anos.
Acusados de participar da Chacina de Vigário Geral integravam unidade.

Gabriel BarreiraDo G1 Rio
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Os três policiais militares que socorreram a auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira Silva, de 28 anos, no Morro da Congonha, no Subúrbio do Rio, no domingo (16), chegam para prestar novo depoimento no 29º DP, em Madureira, Zona Norte do Rio. (Foto: Ale Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo)Policiais do 'caso Claudia' não são os únicos do 9º BPM (Rocha Miranda) envolvidos em polêmicas; tropa é apontada como uma das mais violentas do estado (Foto: Ale Silva/ Futura Press/ Estadão Conteúdo)
9º BPM (Rocha Miranda) e Morro da Congonha (Foto: Arte/G1)
Dezessete bairros e cerca de 30 mil registros de ocorrências por ano (desde furtos até homicídios), segundo dados oficiais. Essa é a realidade da região atendida pelo 9º BPM (Rocha Miranda), onde a guerra do tráfico de drogas faz moradores reféns e o "sonho" da pacificação ainda é distante. Apenas em 2013, a região registrou média de 82 ocorrências por dia de acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP). E foi nessa área que aconteceu o caso que chocou o país na semana passada: a auxiliar de serviços gerais Claudia Silva Ferreira foi arrastada no asfalto por um carro da PM durante o "resgate" após ser baleada no Morro da Congonha, em Madureira. A bordo do veículo, três policiais do batalhão que historicamente é apontado como um dos mais violentos do estado e cujos integrantes chegaram a ser conhecidos como “Cavalos Corredores” na década de 90 — época da Chacina de Vigário Geral.
O que deu errado no caso da Claudia é que se filmou e que era uma mulher, mãe de família. Se fosse jovem e negro não teria o mesmo impacto"
Ana Paula Miranda,
antropóloga
Três semanas antes da morte de Claudia, no dia 23 de fevereiro, outros agentes da unidade já haviam se tornado centro de um outro caso de violência policial: um jovem inocente foi morto a coronhada em Campinho, na Zona Norte do Rio. Na ocasião, quatro PMs foram afastados e presos internamente pela morte do adolescente, de acordo a corporação.
Antes disso, a morte de dois rapazes na comunidade Bateau Mouche já tinha causado revolta em moradores. No início de fevereiro, os jovens, que não tinham passagem pela polícia, foram baleados por PMs do 9º BPM. Os assassinatos foram registrados como homicídio em intervenção policial — antes chamado de auto de resistência (morte em confronto com a polícia). Familiares garantem que a dupla não tinha envolvimento com o tráfico e que as armas encontradas ao lado das vítimas foram "plantadas".
Claudia Silva Ferreira foi assassinada em confronto com bandidos: perícia analisa de onde veio a bala (Foto: Reprodução/TV Globo)Claudia Silva Ferreira foi assassinada no Morro da
Congonha (Foto: Reprodução/TV Globo)
Esses são apenas alguns dos inúmeros casos de "mortes em confronto" na lista do batalhão. Outras 57 pessoas morreram em condições semelhantes nos últimos dois anos (2012 e 2013) na área do 9º BPM, que é a 4ª com maior número de autos de resistência. De acordo com dados do ISP, o batalhão fica à frente de outras 36 unidades do estado.
Para a antropóloga e ex-presidente do ISP, Ana Paula Miranda, os casos são reflexo da política de segurança do estado.
"O governo Sérgio Cabral teve o maior número de autos de resistência da história. O auto de resistência é uma prática naturalizada: quem mora na favela e os próprios policiais sabem disso. Houve uma política institucional que valorizava isso.  O que deu errado no caso da Claudia é que se filmou e que era uma mulher, mãe de família. Se fosse jovem e negro não teria o mesmo impacto", garante.
Batalhão 'reza cartilha antiga', diz especialista
A área de atuação do 9º BPM é uma das mais violentas da cidade do Rio, onde operações policiais, abordagens e tiroteios são frequentes. "É uma área muito complicada, com morros envolvidos em disputas territoriais. O 9º BPM sempre esteve envolvido com muitas mortes, tem um histórico de corrupção, que reza uma cartilha antiga. Usa as 'regras práticas' em uma área conflagrada com os traficantes mais ousados", explica o ex-integrante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e consultor de segurança pública, Rodrigo Pimentel.
A violência da tropa já foi até exaltada em um funk, bastante conhecido nas comunidades do Subúrbio. Em um dos trechos, a música "Nono Batalhão" diz "que lá só tem polícia brabo. Eles espancam os viciados (...) e matam os bandidos".
Na época em que o "proibidão" — como são chamados os funks que exaltam a violência, seja por parte de traficantes ou da polícia — se espalhava pela internet, um tiroteio entre policiais e traficantes em Costa Barros, na Zona Norte, levou à morte de Wesley Guilber de Andrade, de 11 anos. Ele foi baleado enquanto assistia a uma aula de matemática em uma escola pública do bairro.
À frente do batalhão na época, o coronel Fernando Príncipe — que também já comandou o Bope — avaliou que se tratou de algo inevitável. "O pior é não realizar operações", disse. O caso levou a PM a trocar o comando do batalhão na ocasião.
Recém-nomeado comandante do 9º BPM, o tenente-coronel Wagner Moretzsohn tem um perfil técnico e, após alguns anos afastado das ruas, tem enfrentado dificuldades para mudar a imagem da unidade. O G1 solicitou à PM uma entrevista com Moretzsohn, que "não foi autorizada", segundo resposta enviada em nota. A corporação também não comentou os casos de violência protagonizados por agentes do batalhão.
O 9º BPM sempre esteve envolvido com muitas mortes, tem um histórico de corrupção, que reza uma cartilha antiga"
Rodrigo Pimentel, ex-integrante do Bope e consultor de segurança pública
Chacina de Vigário Geral
Na unidade, que recentemente teve seu perímetro de atuação reduzido, fez carreira também o tenente-coronel Cláudio Luis Silva de Oliveira. Condenado a mais de 30 anos por ser apontado como o mandante do assassinato, em 2010, da juíza Patrícia Acioli, o oficial era major da tropa em 1993, quando 21 pessoas foram assassinadas no caso que ficou conhecido como a Chacina de Vigário Geral.
A maioria dos acusados pelo Ministério Público (MP-RJ) por envolvimento no crime integravam o 9º BPM. Segundo a denúncia, a chacina teria sido uma represália à morte de quatro PMs — um deles suspeito de extorquir traficantes da comunidade.
GNews - Arquivo N Chacina de Vigário Geral (Foto: Reprodução GloboNews)Vinte e uma pessoas foram mortas na Chacina de 
Vigário Geral. Policiais do 9º BPM são acusados do
crime (Foto: Reprodução GloboNews)
O grupo — famoso por entrar nas favelas correndo e atirando — ficou conhecido como "Cavalos Corredores". O apelido foi parar até em uma música da banda carioca O Rappa. Em um de seus hits na década de 90, "Tribunal de rua", o cantor Falcão desejava estar "acima do biotipo suspeito" e criticava a violência policial: "E eu ainda tentei argumentar / Mas, tapa na cara para me desmoralizar / Tapa na cara para mostrar quem é que manda / Porque os Cavalos Corredores ainda estão na banca".
Dos 52 denunciados da Chacina de Vigário Geral, apenas um permanece preso, apenas porque sobre ele pesam outros crimes. Os três policiais militares que arrastaram Claudia já estão em liberdade. A Justiça Militar considerou que não há provas de que os PMs contribuíram para a morte da auxiliar de serviços gerais.

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