Hoje,
juntamente com os colegas Conselheiros dos Direitos Humanos Guiany, Pe.
Bosco e Valdênia, estive no inferno, aliás, no Presídio Flóscolo da
Nóbrega, o popular Presídio do Roger, e enquanto olhava aquela masmorra
medieval, me lembrava de Olavo Bilac ao escrever sobre Dante. Diz
Bilac, que Dante ao atravessar o vestíbulo do inferno,
Dante avistou no seu vórtice uma multidão quieta, que não merecia nem
críticas e nem vivas, pois era a multidão dos omissos, dos lacunosos,
dos negligentes, dos covardes, dos batedores de palmas, dos alcoviteiros
e poltrões pusilânimes, que se transformaram em reles instrumentos de
poderosos, que se agacharem na mais demoníaca de todas as
subserviências.
Não quero formar nessa multidão de párias do
caráter humano e por isto quero gritar aos quatro cantos: “UM GOVERNO
QUE ACEITA UM INFERNO COM MAIS DE 1.300 HOMENS PURGANDO SEUS CRIMES E
OUTROS AINDA PARA SEREM JULGADOS, É INSENSÍVEL, DESUMANAMENTE
DESAPIEDADO”.
Já na segunda metade do Século XVIII, na época em
que grassava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança
coletiva, com aplicação de punições de severas consequências e
superiores aos mais temíveis males produzidos pelos delitos, com a
consagração das mais sórdidas torturas, sanções de banimento e de morte,
o Marquês de Beccaria, cujo nome de batismo é Cesare Bonesana, já se
levantava contra esse grotesco proceder e escreveu o clássico Dos
delitos e das penas” e graças ao período das tervas em que vivia, teve
que fugir para não ser queimado em agoniante fogueira.
Estive no
inferno, aliás, no Presídio do Roger e pensei: desde Beccaria alguma
coisa mudou no horizonte das prisões paraibanas? A resposta foi óbvia.
Se ele fosse vivo, se escandalizaria com o que eu e meus companheiros
vimos e sentimos. Sentimos o cheiro acre do suor, já que há muito os
segregados não se banham, o calor é insuportável, a fedentina, onde
antigamente existiam construções e hoje temos ruínas vergonhosas abrigam
enjaulados doentes e moribundos e outros que se queixam de surras e
pisas homéricas, rodeados com esgotos podres e fedidos correndo para
todos os lados. A água para beber é da torneira, vi servindo uma sopa
inqualificável como se joga rações, digo, bagaços aos porcos, até os
restos estragados sobejam e fazem parte da paisagem das entradas dos
pavilhões, pavilhões não, tétricas e vetustas armações de tijolos que
ainda resistem ao tempo sem qualquer reforma,
Estive no inferno
sim, desculpem, no Presídio do Roger e tive a sensação nos ossos, na
carne, no sangue e na minha alma, que ali é um inferno, o pior cemitério
de mortos vivos. São 1.330 homens num espaço ultrapassado, putrefacto,
fétido, sem iluminação, com a fiação elétrica exposta, com o calor
execrável, igual àquele que exala da boca de um forno e no meio pessoas
que merecem ser julgadas e se culpadas punidas, mas não excomungadas do
mundo dos vivos e já condenados ao mais terrificante dos fogos, às
chamas dos infernos da indiferença, da insensatez, da nefanda
desumanidade daqueles que fazem o governo atual do Estado da Paraíba e o
espaço onde depositam trezentos é insalubre, temperatura de sauna,
escuro e que suportaria apenas 500 no máximo.
Vi no inferno
funcionários públicos submetidos a agressões morais, a estresse, à
tristeza, a angústias outras, pois sadicamente investidos em cargos de
agentes penitenciários atirados aos infernos da falta de tudo, até de
consideração pelas suas dignidades de profissionais integrantes daquele
terrificante sistema, sistema louco, cuja doutrina é a doutrina da
morte, da morte de tudo, até da esperança, uma vez que aqueles homens
não podem obrar milagres, as condições não permitem que eles trabalhem,
mas que passem noites e dias em pungentes e cruciantes plantões, numa
crueldade ignominiosa por parte do Estado em relação a esses servidores,
na maioria sonhadores, idealistas, e operários de uma causa justa, que
deveria ser a desse governo, a causa da ressocialização dos que habitam
aquela casa de assombração, desculpem, aquele inferno.
Meu
sentimento foi de inferno mesmo ou de campo de concentração, vi
eletrizantes e enervantes corredores de arame farpado e indaguei de um
graduado servidor do que se tratava, mas acabrunhado ele se calou, não
quis dizer que ali em tudo se assemelha com o holocausto nazista, mas eu
entendi seu silêncio.
Senti-me fraco, emocionado, as forças
começaram a fugir do meu domínio, primeiro pelo sentimento de que
deixava naquele inferno 1300 seres humanos em conflito com a lei, que
devem ser apenados após julgamentos que atendam ao velho brocardo
“common process of law”, fugi dali arrasado, desconstruído em me
convencer da insensibilidade, que beira às raias do sadismo, dos que
fazem o governo da Paraíba e pensei: Se não existisse vaidade, alguém em
sã consciência aceitaria ser secretário, diretor, gerente daquilo,
daquela decadência imunda e desalmada? Ou prefeririam a honra e a
exclusão da multidão infamante de Dante?
Postagem: SÁTIRO AYRES COMANDO DO POVO
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